
A Prefeitura Municipal Marília deu um passo drástico para reverter o que considerou um negócio ruinoso para a cidade. O prefeito Vinicius Camarinha (PSDB) assinou dia 24 de setembro de 2025, o Decreto Municipal nº 14.788, que declara a nulidade e a invalidação unilateral do processo de licitação (Concorrência Pública nº 013/2022) e do consequente Contrato de Concessão CST nº 1720/2024, firmado com a empresa RIC Ambiental – Água e Esgoto de Marília S/A. A decisão, anunciada em coletiva de imprensa, põe fim ao polêmico contrato dos serviços de água e esgoto do município, citando “vício originário insanável de legalidade”.
Em menos de 10 meses de mandato, o prefeito Vinicius Camarinha, do PSDB, cumpriu as suas duas maiores promessas de campanha: retirou de operação os radares eletrônicos na fiscalização da velocidade em ruas e avenidas e rompeu com a concessão do Daem (Departamento de Água e Esgoto de Marília) – que ele sempre criticou e alegou que as outorgas sempre estiveram aquém do seu real valor.
O estopim para a anulação foi o resultado de um minucioso estudo técnico-financeiro conduzido pela Fundação Instituto de Administração (FIA), entidade de renome vinculada à Universidade de São Paulo (USP). O relatório da FIA atestou que o contrato era “manifestamente lesivo ao erário público municipal”, estimando que a concessão geraria uma perda patrimonial concreta de grande vulto ao longo do prazo contratual, resultando em um Valor Presente Líquido (VPL) alarmante e negativo de R$ 55.789.786,00 para o município.
O prefeito não poupou críticas ao processo licitatório original, que, segundo ele, foi um “crime contra nossa população”. Vinicius Camarinha destacou que o valor da outorga, fixado em R$ 2.000.000,00, era "irrisório" e ainda seria pago em 80 parcelas, uma prática incomum em concessões públicas. Em sua avaliação, a concessão não só falhou em gerar receita, mas ainda impôs despesas à Prefeitura.
Esgoto
Embora a concessão já tenha completado um ano, o tratamento de esgoto em Marília carece de efetividade. Emissários em pontos da cidade que possuem córregos, como na conexão do Jardim Virgínia e Alimentação, na rua Alexandre Guizardi, e na interligação da Vila Altaneira, na zona Leste, com os bairros da zona Norte – na rua Teresa Fontanelli, seguem recebendo resíduos e exalando mau cheiro. Conforme o Jornal Cidade já noticiou – com base em relatório do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – uma parte do esgoto da cidade segue sem tratamento, apesar de possuir em operação 3 estações.
A administração apontou uma série de falhas que macularam o certame, incluindo a ausência de um critério de julgamento claro, a inadequação na escolha do critério “Técnica e Preço”, indícios de direcionamento da licitação, e a constatação de que o valor global do contrato, de R$ 475.249.750,00, era cerca de 80% inferior à estimativa inicial. Além disso, o comparativo com cidades de porte similar, como Olímpia e Ourinhos, revelou que o valor da outorga por habitante de Marília (R$ 670,00) era drasticamente inferior aos seus pares (R$ 2.643,00 e R$ 2.434,00, respectivamente), evidenciando a falha em capturar o real valor econômico dos serviços.
O prefeito Vinicius Camarinha assegurou que o processo administrativo respeitou o direito de defesa da empresa, e que a decisão de anulação é a que melhor atende ao interesse público. O chefe do Executivo sinalizou que a RIC Ambiental deverá continuar a operar o serviço de forma precária até a conclusão de um novo procedimento licitatório.
Outro lado
Após a publicação do decreto, a RIC Ambiental, concessionária responsável pelos serviços de água e esgotamento sanitário de Marília, se manifestou oficialmente. Afirmou que vem cumprindo rigorosamente todas as obrigações previstas no contrato de concessão. “A concessionária destaca que o contrato foi firmado após um processo licitatório sério que durou um ano e meio, seguindo o Edital publicado pela municipalidade, que perseguiu todos os trâmites legais, com regras claras para execução do serviço, investimentos, prazos e definição das tarifas. Foi um processo aberto ao qual compareceu uma dezena de empresas interessadas que discutiram pormenorizadamente as novidades da Lei Federal n° 14.133/21, destinada a licitações e contratos. Nisto foi incluída a interveniência do Tribunal de Contas do Estado de SP que aprimorou e aprovou a redação final editalícia”, declarou a RIC.
Saiba mais sobre o decreto que rompeu com a concessão da água e esgoto em Marília
A manutenção do contrato foi considerada "ruinosa e lesiva" ao interesse público, cabendo à Administração Pública o poder-dever de autotutela para anular seus próprios atos ilegais, com base na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. A nulidade da concessão opera com efeitos retroativos (ex tunc), desconstituindo todos os direitos e obrigações, ressalvada a indenização por serviços e investimentos, que será apurada em processo próprio.
O Decreto nº 14.788 determina expressamente que a RIC Ambiental continue a prestar os serviços de água e esgoto para garantir a continuidade do serviço público essencial, até que um novo operador seja contratado. Contudo, a empresa fica proibida de realizar novos investimentos e de distribuir lucros e dividendos resultantes de suas atividades no município.
Entre os passivos herdados pelo município, o relatório da FIA destacou uma dívida histórica com a CPFL no montante de R$ 50 milhões e a assunção integral da folha de pagamento dos servidores remanescentes do extinto Daem, gerando uma despesa mensal de aproximadamente R$ 1.900.000,00. Este valor anula quase por completo a receita mensal da outorga.
A Prefeitura de Marília, determinou, por fim, o encaminhamento de cópia integral do processo administrativo ao Ministério Público do Estado de São Paulo e ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, para que as instituições adotem as providências cabíveis.