
Marília vive uma contradição urbana que se repete em grandes centros brasileiros: o déficit habitacional da cidade, que atinge 6.422 unidades domiciliares – um indicativo do número de famílias sem casa própria –, coexiste com uma ociosidade alarmante de propriedades. Dados do Censo 2022 do IBGE apontam que cerca de 13 mil imóveis na cidade estão desocupados, desabitados ou são utilizados apenas eventualmente.
Essa disparidade não apenas evidencia o desequilíbrio na distribuição de moradias, mas também alimenta a expansão de assentamentos precários. Segundo um estudo detalhado que consta no Plano Local de Habitação de Interesse Social, o Plhis, Marília abriga 19 assentamentos - classificados como comunidades precárias, favelas ou não - que sofrem com habitações improvisadas e a carência de infraestrutura básica, como pavimentação e iluminação.
Um dos aspectos mais graves nessas comunidades é a ausência de saneamento básico e as inadequações fundiárias. A crise da moradia digna em Marília reflete um problema estrutural maior. O déficit habitacional brasileiro como um todo é estimado em 5,9 milhões de unidades, mostrando que a dificuldade de acesso à casa própria é uma questão social e econômica de escala nacional.
No contexto local, o perfil socioeconômico das 6.422 famílias em situação de déficit revela um dado surpreendente: quase 20% dessa população ‘sem-teto’ recebe de seis a dez salários mínimos, e 5%possuem renda acima de dez salários mínimos. Em tese, essas famílias de maior poder aquisitivo deveriam ter condições de deixar as comunidades ou favelas, buscando residência em bairros com infraestrutura adequada. Contudo, a permanência delas no déficit indica que o problema pode estar ligado ao custo excessivo de aluguel (que consome mais de 30% da renda) ou à dificuldade de acesso a crédito ou à terra urbanizada.
Apesar disso, o centro do desafio habitacional recai sobre a maioria: 76% dessa população está na faixa de renda de zero a seis salários mínimos. Para este grupo, a única saída real para a obtenção de moradia digna é a intervenção direta do Poder Público com políticas sociais. Para enfrentar essa complexa realidade, é fundamental que o município de Marília não apenas execute obras, mas siga o Plano Local de Habitação de Interesse Social (Plhis).
Saiba mais sobre o Plhis
O Plhis é o instrumento-chave para o planejamento habitacional de longo prazo, permitindo que a cidade estabeleça diretrizes, metas e programas para os próximos anos. Mais importante, o Plano é obrigatório para que o município possa acessar recursos federais do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Além disso, o Plhis oferece o arcabouço legal para a aplicação efetiva da função social da propriedade, um princípio constitucional que permite ao poder público utilizar os 13 mil imóveis desocupados para combater o déficit, seja através de tributação progressiva, desapropriação ou programas de locação social.
É crucial que a Prefeitura utilize esse instrumento para promover a regularização fundiária dos 19 assentamentos precários e para demarcar as Áreas de Especial Interesse Social (AEIS), garantindo que a infraestrutura e o saneamento cheguem de forma definitiva a essas comunidades, pondo fim à contradição dos 100% de esgoto tratado.