Em uma reviravolta política costurada após meses de tensão e incertezas, a Prefeitura Municipal de Marília anunciou na quarta-feira, 19 de novembro de 2025, a manutenção da RIC Ambiental na concessão dos serviços de água e esgoto da cidade. A decisão foi formalizada em uma coletiva no auditório da Prefeitura, com a presença do prefeito Vinicius Camarinha, do vice-prefeito Rogério Alexandre da Graça e do presidente da Câmara, Danilo Bigeschi. O anúncio encerra o ciclo de intervenção que Vinicius Camarinha havia decretado bem no início de seu mandato, cumprindo, assim, em poucas semanas de governo, duas promessas de campanha que o alçaram ao cargo: a suspensão definitiva dos radares que fiscalizavam o controle de velocidades nas ruas e avenidas de Marília e a intervenção à empresa que havia arrematado o Daem, o extinto Departamento de Água e Esgoto de Marília.
A intervenção na empresa concessionária, determinada por Vinicius Camarinha, foi sucedida pela contratação de uma auditoria minuciosa, conduzida pela Fundação Instituto de Administração (FIA), uma instituição de notório saber e diretamente ligada à prestigiosa Universidade de São Paulo (USP). O estudo técnico-financeiro, que serviu de base para as negociações de repactuação, atestou em seu relatório que a concessão original era lesiva ao erário público municipal. A partir de metodologia financeira consagrada, a auditoria da FIA demonstrou que o contrato, ao invés de gerar valor ou alívio fiscal para a cidade, representava uma perda patrimonial concreta, real e de grande vulto para o Município ao longo do seu período de vigência, de 35 anos.
Novos valores e desafios crônicos
Embora a concessionária permaneça, o setor de saneamento em Marília ainda carrega desafios estruturais. Conforme reportagem de julho do jornal A Cidade, a RIC Ambiental reconheceu como gravíssima a perda de até 50% da água tratada na rede de distribuição. Em outro trabalho de apuração do jornal, a companhia reconheceu que atualmente trata apenas 64,5% do esgoto coletado, índice inferior aos 70% que eram tratados pelo Daem, o Departamento de Água e Esgoto de Marília, que parou de operar o serviço em setembro de 2024. Seus servidores foram absorvidos pela administração direta, entraram em programa de demissão voluntária ou se aposentaram, com raríssimos sendo reaproveitados pela concessionária. A RIC, que tem em seu consórcio o empresário Reinaldo Pavarini, referência na área de construção civil e saneamento básico, começou a operar em 9 de setembro de 2024.
A manutenção da concessão, após essa verdadeira queda de braço entre a Prefeitura e o setor privado, mostra que o saneamento básico de Marília ainda enfrenta desafios gigantescos a serem superados pela RIC. O problema crônico de falta de água em diversos bairros persiste, juntamente com os vazamentos frequentes, a precariedade da estação de tratamento do Rio do Peixe (ETE), erguida há décadas e ainda não modernizada, e as constantes interrupções no fornecimento. A cidade sofre com a falta d’água em decorrência de manutenções na rede, quedas abruptas de energia e até mesmo por roubos de transformadores de alta tensão, equipamentos essenciais para alimentar as bombas que captam água para o município.
Em complementação aos entraves operacionais, a questão ambiental segue crítica: os córregos que cortam Marília continuam poluídos e exalando mau cheiro. Odores desagradáveis são sentidos em regiões densamente povoadas, como na zona Oeste, no bairro Argollo Ferrão, ou em pontos mais interiorizados do Jardim Bandeirantes, além de áreas no entorno da rua Mariápolis, na zona Norte da cidade. Estes corpos d’águas continuam contaminados, recebendo efluentes diariamente, sem solução à vista.
Sobre a repactuação, o prefeito Vinicius Camarinha foi enfático. “Hoje é um dia histórico. Estamos fazendo a reparação de um erro grave: a concessão do Daem, que não foi em favor do povo e não condizia com uma concessão séria. Determinamos sindicância, fizemos intervenção e contratamos a FIA. E concluímos que a concessão valia muito mais do que foi feito. Rompemos o contrato, mas abrimos a opção da concessionária repactuar o contrato nos moldes apontados pela FIA”, explicou.
3 aportes nos próximos 3 anos
O acordo de repactuação impôs uma nova e rigorosa composição financeira à concessionária. Serão acrescidos mais R$ 40 milhões de outorga, elevando o valor total para R$ 200 milhões. Inicialmente, eram R$ 160 milhões. O saldo remanescente, que seria pago ao longo de sete anos, foi antecipado e reduzido para os próximos três anos. A nova composição de pagamento mantém a continuidade das parcelas mensais, corrigidas, no valor atual de R$ 2,1 milhões. Além disso, o Município contará com três grandes aportes de R$ 40 milhões, corrigidos: o primeiro em outubro de 2026 (R$ 20 milhões do acréscimo da outorga e R$ 20 milhões de antecipação); o segundo em outubro de 2027 (também R$ 20 milhões do acréscimo e R$ 20 milhões de antecipação); e o terceiro em junho de 2028, que quitará o contrato.
A decisão da Prefeitura de Marília, pautada no parecer técnico que reconheceu a lesividade do contrato inicial, marca uma nova posição da gestão, que conseguiu impor novos termos à concessionária, elevando o valor da outorga e antecipando o recebimento de recursos. Porém, o desafio real para os próximos anos não reside apenas nos valores financeiros, mas sim na capacidade da RIC Ambiental de solucionar os problemas crônicos de abastecimento, combater as altas perdas de água tratada e, principalmente, modernizar a infraestrutura de tratamento de água, além de garantir o saneamento e a qualidade ambiental que a população de Marília há muito espera.