A organização que monitora a qualidade do ar em Paris, uma das capitais do mundo que mais prioriza a mobilidade urbana, atestou, recentemente, que a fuligem, a poeira e a fumaça - ou seja todo aquele tipo de porcaria que tem no ar e faz mal aos pulmões de todos os seres vivos - caíram 55% na comparação de 20 anos atrás. Essa é a colheita saudável de uma cidade onde o uso de bicicletas foi, de fato, priorizado e as conduções motorizadas se viram praticamente obrigadas a conviver respeitosamente com as bikes. Por lá, as ‘magrelas’ são utilizadas a todo momento, em qualquer canto, e com vias públicas sinalizadas para este veículo que, além de não poluir, proporciona saúde e qualidade de vida.
A 9.500 quilômetros da Cidade Luz, fica Marília, que certa vez pelo olhar do cantor e compositor Caetano Veloso chegou a ser comparada com a capital da França. Caetano, que estava pela cidade para fazer um show, jantou num restaurante da rua Quatro de Abril e, ao sair do estabelecimento, topou com uma garoa fina. Na contraluz das gotas caindo nos toldos dispostos ao longo do comércio daquele trecho do centro, declarou: “Parília, Paris com Marília!”. Certamente, o clima ameno e outonal de Marília tem seus momentos de Paris, mas em se tratando da comparação no quesito mobilidade e, especificamente no que se trata das bicicletas, o panorama do Censo 2022, divulgado recentemente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) mostra que a Cidade Símbolo de Amor e Liberdade está a anos-luz em atraso da capital da França.
Aqui, só para se ter uma ideia, quase 100% das ruas não estão sinalizadas para os ciclistas. Em números totais, apenas meio por cento das vias públicas se preocupam com o ciclista, como o motorista Luiz Alves Barbosa. Profissional do volante, ele utiliza sua bicicleta para cruzar Marília de sul a norte, diariamente. São mais de 20 quilômetros pedalando e para evitar ser atropelado - como quase acontece diariamente - Luiz instalou uma buzina na ‘magrela’. “Ninguém, mas ninguém mesmo, respeita quem anda de bicicleta em Marília. Justamente porque preciso pedalar para ir e voltar do trabalho, coloquei essa buzina”, afirmou. E, o som é realmente alto. Sem ciclovia, o jeito é redobrar a atenção tanto no trecho de ida, quanto no trecho de volta, geralmente depois das 18h, quando há visibilidade começa a afetar por conta do pôr-do-sol. O Censo mostrou que 85.411 vias [ruas, avenidas ou travessas] de Marília não possuem qualquer sinalização para os ciclistas, isso significa que 99,41% da cidade praticamente ignora pessoas como o armador e pintor de parede Fábio José Gomes, que mesmo tendo mobilidade reduzida - por conta de um acidente na coluna precisa utilizar uma tala numa das pernas -, recorre ao ciclismo como locomoção.
“Além de ser econômico, gosto de utilizar a bicicleta como uma forma, digamos, de uma terapia. Me faz bem e me ajuda a superar esta condição da perna”, comentou. Antes de Fábio estacionar a bicicleta para atender a reportagem do Jornal A Cidade, o ciclista havia sofrido uma ‘fechada’ de uma motorista totalmente desatenta a presença de um bicicleta. “Nossa, ela virou assim de uma hora para outra, se eu não sou rápido, tinha batido”, relatou. Fábio contou que já sofreu acidente e um deles foi semelhante ao que ocorreu recentemente em São Paulo, quando dois passageiros abriram a porta do carro em movimento e um motociclista foi atingido. Neste caso, em São Paulo, a passageira da moto veio a óbito.
Com Fábio ele se machucou muito, precisou se afastar da construção em que estava trabalhando e o pior: “ninguém me ajudou, sofri a queda, me machuquei tudo e tive que pagar toda a conta, muito ruim”, detalhou. Os ciclistas reivindicam uma ciclovia e mais respeito por parte dos motoristas para quem depende ou utiliza com frequência a bicicleta. “Mas a ciclovia não pode ser no centro da rua, como é aqui na Esmeralda. Tem que ser no canto da rua”, reivindicou Luiz Alves Barbosa.