Com 85 anos de história e responsável pela formação de pelo menos mil pilotos – incluindo comandantes que decolaram por grandes companhias aéreas do Brasil e do mundo -, o Aeroclube de Marília está no centro de uma disputa com a empresa concessionária do aeroporto Frank Miloye Milenkovich, a Rede VOA. Os diretores, em entrevista ao jornal A Cidade, deixaram claro que a questão não se trata apenas da defesa exclusiva do patrimônio cultural e histórico da entidade, mas sim da garantia de algo coletivo: a efetiva modernização da estrutura do terminal aéreo.
“O Aeroclube de Marília ocupa apenas 0,5% de toda a área concedida para a VOA. Atrás dos hangares particulares, dentro do próprio terreno do aeroporto, há uma faixa de terra de 70 mil metros quadrados que poderia ser utilizada para a construção do novo terminal de embarque e desembarque, sem que houvesse a necessidade de demolir o prédio e os hangares históricos do Aeroclube, que há mais de oito décadas está presente em Marília”, contextualizou o piloto e instrutor de voos Jolando Gatto. Assim como a entidade, Jolando também tem história com a aviação: por nove vezes ele foi recordista brasileiro de voo à vela.
O próprio Aeroclube de Marília - por onde passou o fundador da TAM, comandante Rolim Amaro (1942-2001), e que recepcionou em cerimônias ao menos dois ex-presidentes do Brasil, Getúlio Vargas e Jânio Quadros – em sua fundação, em 17 de fevereiro de 1940, contou com 31 testemunhas que assinaram a ata de criação. A quinta assinatura é de Frank Milenkovich, patrono do aeroporto, que atualmente está sob a concessão da VOA. A empresa trava uma disputa com o aeroclube e já obteve uma ordem de despejo para que a entidade desocupe os prédios e hangares históricos. Entre os documentos arquivados estão o próprio livroata, as fotos das autoridades que por lá passaram e uma das maiores frotas de planadores de todo o Brasil, além de aviões utilizados para as instruções.
Entre eles, o raro Paulistinha, construído em 1947 pela fábrica de aviões Neiva, de Botucatu. “Ele chegou zero aqui e já tem 15 mil horas de voo”, contou Braucilio Foganholo Júnior, presidente do aeroclube histórico.
Do outro lado da Brigadeiro
No lado oposto aos hangares históricos e à sede administrativa do Aeroclube de Marília - o mesmo que nos anos de 1950 foi responsável por transportar empresários e pacientes para pontos remotos ou centros médicos até então mais desenvolvidos - fica uma área de 70 mil metros quadrados. Situada em frente ao número 2.401 da avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, a área, inclusive, chegou a ser oferecida pela Rede VOA para cessão ou locação: ‘Aqui é o lugar ideal para a sua empresa!’, afirmava uma faixa fixada no alambrado até poucos dias atrás. Ao que parece, a faixa teria sido retirada após ser deteriorada, não se sabe se por vandalismo ou pela ação da chuva ou do vento. Esta faixa de terra responde por quase 15% da área do aeroporto. O local teria, inclusive, servido de base para um projeto elaborado pelo Estado no início dos anos 2000 para abrigar um novo, completo e apropriado terminal de embarque.
“Só para se ter uma ideia, este projeto reservava um estacionamento de 366 vagas. Mas esta não é a proposta que consta no projeto de modernização da atual concessionária. Contudo, o projeto de hoje para o aeroporto de Marília, sinceramente, atenderia às necessidades da cidade e da região da década de 80, não as necessidades atuais”, expôs Jolando.
Segundo os diretores da entidade, o maior problema enfrentado atualmente pelo aeroporto de Marília não está no terminal de embarque e desembarque, mas sim no pátio, que consiste no maior gargalo estrutural.
Modelos de aeroportos funcionais em todos os aspectos – do embarque de passageiros à fluidez dos pousos e decolagens - seriam os de Cascavel, no Paraná, e de São José do Rio Preto, a menos de 200 quilômetros de Marília. “São modelos que poderiam inspirar as inovações e melhorias no aeroporto de Marília. Da forma como está, Marília seguirá limitada e dependendo da baldeação”, apontou Braucilio.
Com apenas um voo operando por dia, quem embarca em Marília nem desce em São Paulo, mas sim em Campinas e - de ônibus portanto, ocorre uma baldeação para se chegar à capital do Estado mais rico do Brasil.
Outro lado
Diante do entrave jurídico entre concessionária e Aeroclube de Marília, a Rede VOA optou por adotar medidas judiciais cabíveis, buscando a revogação da Lei que declarou o tombamento do Aeroclube. A concessionária argumenta que a Prefeitura não observou os trâmites legais exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro para a efetivação de tal ato.
“O início das obras está condicionado à resolução deste decreto municipal que definiu o tombamento da área do Aeroclube e impede qualquer tipo de intervenção e melhoria no terminal de passageiros do Aeroporto de Marília, pois acarreta desequilíbrio financeiro à concessão junto ao Governo de São Paulo”, disse o CEO da VOA, Marcel Moure. Ciente da situação, o Governo do Estado de São Paulo avalia as medidas administrativas e jurídicas a serem
adotadas, considerando que se trata de uma concessão da União, delegada ao Estado e, posteriormente, assumida pela Rede VOA em decorrência de concorrência pública realizada no ano de 2021.